terça-feira, 12 de novembro de 2013

Esteróides anabolizantes no esporte - artigo científico

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ARTIGO
DE REVISÃO

Esteróides anabolizantes no esporte
Paulo Rodrigo Pedroso da Silva1, Ricardo Danielski2 e Mauro Antônio Czepielewski1
RESUMO
Os hormônios esteróides anabólicos androgênicos (EAA) compreendem a testosterona e seus derivados. Eles são pro- duzidos nos testículos e no córtex adrenal, e promovem as características sexuais secundárias associadas à masculi- nidade. Na medicina, os EAA são utilizados geralmente no tratamento de sarcopenias, do hipogonadismo, do câncer de mama e da osteoporose. Nos esportes, são utilizados para o aumento da força física e da massa muscular; entre- tanto, os efeitos sobre o desempenho atlético permanecem, ainda, controversos. Os EAA podem causar diversos efei- tos colaterais, como psicopatologias, câncer de próstata, doença coronariana e esterilidade. Estudos epidemiológi- cos apontam a problemática acerca do uso de EAA, nos es- portes; todavia, no Brasil não existem publicações subs- tanciais sobre esse tema. Esta revisão analisa esse assunto, procurando despertar a curiosidade e o interesse dos leito- res para a produção científica de novos trabalhos relacio- nados ao tema.
Palavras-chave: Esteróidesanabolizantes.Androgênios.Dopagem. Abuso de drogas.
ABSTRACT
Anabolic steroids in sports

Anabolic androgenic steroids (AAS) are hormones that include or are derivatives of testosterone. They are pro- duced in the testicles and in the adrenal cortex. AAS pro-
  1. ProgramadePós-GraduaçãoemCiênciasMédicas:Endocrinologia,Fa- culdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.
  2. Curso de Especialização em Medicina e Ciências do Esporte, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS.
Recebido em 18/3/02
2a versão recebida em 20/6/02 Aceito em 20/7/02

Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Mauro Czepielewski
Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia Rua Ramiro Barcelos, 2.350 – Prédio 12, 4o andar
90035-003 – Porto Alegre, RS.
Tel./fax: (51) 3332-5188/3316-8127
E-mail: maurocze@terra.com.br

mote development of sexual characteristics associated with the male sex. They are applied as a general rule in the treatment of sarcopenia, hypogonadism, breast cancer, and osteoporosis. In relation to sports, they are used to increase strength and muscle mass. Their effects on athletics per- formance are still controversial. AAS can cause several side- effects, such as mental disease, prostate cancer, coronary disease, and sterility. There are no epidemiologic studies regarding the use of AAS in Brazil . This review intends to deal with this matter widely and aims at stimulating curi- osity and interest in order to provide new publications about this issue.
Key words:
Anabolic steroids. Androgens. Doping. Drug abuse.
CONCEITO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES
Os hormônios esteróides são produzidos pelo córtex da supra-renal e pelas gônadas (ovário e testículo). Os este- róides anabolizantes ou esteróides anabólico-androgênicos (EAA) referem-se aos hormônios esteróides da classe dos hormônios sexuais masculinos, promotores e mantenedo- res das características sexuais associadas à masculinidade (incluindo o trato genital, as características sexuais secun- dárias e a fertilidade) e do status anabólico dos tecidos so- máticos1. Os esteróides anabólicos incluem a testosterona e seus derivados2,3. Entretanto, alguns autores referem os esteróides anabolizantes como os derivados sintéticos da testosterona4-6 que possuem atividade anabólica (promo- ção do crescimento) superior à atividade androgênica (mas- culinização)7.
ASPECTOS BIOQUÍMICOS E FISIOLÓGICOS DOS ESTERÓIDES ANABÓLICOS
A testosterona é o hormônio esteróide androgênico mais importante produzido pelos células de Leydig nos testícu- los. No sexo feminino, é produzido em pequena quantida- de pelos ovários. Todavia, pode ser sintetizado pelo córtex da supra-renal em ambos os sexos8.
A produção adrenal dos androgênios está sob controle da corticotropina. Já a produção das células testiculares está sob controle do GnRH (hormônio de liberação das go- nadotrofinas) hipotalâmico. O GnRH atua na hipófise ante- rior, promovendo a liberação de FSH (hormônio folículo-
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estimulante), que estimula a gametogênese, bem como a liberação de LH (hormônio luteinizante), que no sexo mas- culino é também denominado ICSH (hormônio de estimu- lação de célula intersticial). O ICSH estimula a secreção de androgênios9,10.
A síntese dos hormônios androgênios dá-se a partir do colesterol. Este irá formar, após sucessivas oxidações, a pregnenolona. A pregnenolona é o principal precursor dos hormônios esteróides. Durante a conversão da pregneno- lona à testosterona, ocorre a formação de desidroepiandros- terona (DHEA) e de androstenediona1.
No homem, as células de Leydig constituem, pratica- mente, a única fonte de testosterona. Os testículos secre- tam, também, só que em quantidades menores, o DHEA e o androstenediol, bem como quantidades muito pequenas de 5-α-diidrotestosterona (DHT). Dentre os esteróides andro- gênicos sintetizados pela supra-renal, podemos destacar a DHEA e a androstenediona. Todos esses androgênios são posteriormente convertidos em testosterona no fígado8,10.
No homem adulto normal, a concentração plasmática de testosterona varia de 300 a 1.000ng/dl e a taxa de produ- ção diária está entre 2,5 e 11mg. Quarenta por cento da testosterona circulante ligam-se a uma proteína plasmática denominada proteína ligante do hormônio sexual, aproxi- madamente 2% estão livres, sendo que o restante está as- sociado à albumina e outras proteínas plasmáticas9. Cerca de 0,3mg/dia de testosterona é convertido em DHT nas cé- lulas-alvo. Este parece ser o androgênio ativo em muitos tecidos-alvo, sendo considerado tão potente quanto a tes- tosterona8. A DHEA pode circular principalmente associa- da à albumina, em duas formas interconversíveis: a não- conjugada (DHEA) e a conjugada com o grupo sulfato (DHEA-S). Ambas convertem-se em testosterona e DHT. A DHEA-S está presente no plasma em concentrações muito maiores do que a de qualquer outro esteróide adrenal11.
Os esteróides androgênicos são moléculas lipofílicas, que atravessam facilmente a membrana plasmática. Eles atuam sobre receptores intracelulares citosólicos, que se encon- tram estabilizados pelas proteínas do choque térmico com
90-kDa, as hsp90. Uma vez formado o complexo hormô- nio-receptor, as hsp90 se desligam do receptor e o comple- xo se desloca ao núcleo. No núcleo, o complexo se liga ao DNA nuclear em uma região específica denominada ele- mentos de resposta ao hormônio (ERH). Esta interação pro- move a transcrição ou a repressão de certos genes12,13.
A testosterona é rapidamente metabolizada no fígado se administrada oralmente. A meia-vida da testosterona livre é de 10-21 minutos. Ela é inativada no fígado pela conver- são em androstenediona e 90% de seus metabólitos são excretados na urina10.
A DHEA, a androstenediona (4-androstenediona) e os seus compostos relacionados (5-androstenediona, 4-androstene- diol, 5-androstenediol) são os precursores da testosterona mais popularmente utilizados por atletas. O papel fisioló- gico do DHEA não está esclarecido14. Entretanto, a DHEA e a androstenediona parecem exercer atividade androgênica fraca, sendo esta atribuída à sua transformação metabólica em testosterona e DHT8,11,14.
A DHT é o principal metabólito ativo da testosterona e possui afinidade maior pelo receptor androgênico do que esta molécula. Ele transforma-se mais rapidamente no com- plexo hormônio-receptor e dissocia-se mais lentamente do receptor do que a testosterona14.
Os efeitos androgênicos e anabólicos da testosterona estão listados no quadro 1.
O USO CLÍNICO DOS ESTERÓIDES ANABOLIZANTES
Há relatos de que, na antigüidade, os órgãos sexuais e suas secreções eram utilizados para o tratamento da impo- tência e como afrodisíaco4. No final do século XIX, o fi- siologista francês Charles Eduard Brown-Séquard experi- mentou uma terapia de rejuvenescimento, administrando, em si mesmo, injeções de um extrato líquido derivado de testículos de cães e porcos da índia, e relatou aumento da sua energia intelectual e da sua força física4.
No término da 2a Guerra Mundial, os androgênios eram utilizados no tratamento de pacientes em condições termi-
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QUADRO 1
Efeitos androgênicos e anabólicos da testosterona (Ghaphery, 1995)

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Efeitos androgênicos
Crescimento do pênis
Espessamento das cordas vocais
Aumento da libido
Aumento da secreção nas glândulas sebáceas Aumento de cabelos do corpo e da face Padrão masculino dos pêlos pubianos

Efeitos anabólicos
Aumento da massa muscular esquelética Aumento da concentração de hemoglobina Aumento do hematócrito
Aumento da retenção de nitrogênio Redução dos estoques de gordura corporal Aumento da deposição de cálcio nos ossos

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nais ligadas à debilidade crônica, bem como no traumatis- mo, em queimaduras, na depressão e na recuperação de grandes cirurgias4,15,16. No entanto, somente na década de 50, os EAA tiveram maior aceitação para o uso médico17.
Atualmente, os EAA têm sido administrados no tratamen- to das deficiências androgênicas: hipogonadismo16,18, pu- berdade e crescimento retardados19, micropênis neonatal, deficiência androgênica parcial em homens idosos, defi- ciência androgênica secundária a doenças crônicas, e na contracepção hormonal masculina20.
A terapia androgênica pode, também, ser utilizada no tratamento da osteoporose, da anemia causada por falhas na medula óssea ou nos rins16,20, do câncer de mama avan- çado21, em garotos com estatura exagerada20, e até mesmo em situações especiais da obesidade11. Há relatos de uso de esteróides anabólicos em baixas doses por via transdér- mica no tratamento de doenças cardiovasculares, tendo efei- tos antiaterogênicos e como agentes antianginosos22.
Os EAA têm sido utilizados no tratamento da sarcopenia relacionada ao HIV em pacientes hipogonadais23 e eugona- dais24 e da fadiga em pacientes com doença renal crônica submetidos a diálise25, da sarcopenia associada à cirrose alcoólica, à doença obstrutiva pulmonar crônica, e da sar- copenia em pacientes com queimaduras graves26.
Estudos têm demonstrado os efeitos dos E A A no trata- mento da baixa estatura devida à síndrome de Turner27 e em garotos com puberdade e crescimento retardados17. Recentemente, foi demonstrado que a utilização dos este- róides anabolizantes acelerou o crescimento linear e teve alguns efeitos benéficos no retardo da fraqueza em pacien- tes com distrofia muscular de Duchenne28.
O USO DOS ESTERÓIDES ANABOLIZANTES NO ESPORTE
No ano de 1935, a testosterona foi sintetizada, pela pri- meira vez, por Ruzica e Weltstein e, em 1939, Boje suge- riu que os hormônios sexuais poderiam aumentar o desem- penho atlético15. Em 1945, houve a popularidade no meio atlético através da publicação do escritor Paul de Kruiff, The Male Hormone. No final dos anos 40 e no início dos anos 50, culturistas da Costa Oeste dos Estados Unidos começaram a experimentar preparados de testosterona4. To- davia, o registro histórico do uso de hormônios sexuais no aumento do desempenho em campeonatos mundiais é da- tado de 1954, quando foram utilizados por atletas russos durante o Campeonato Mundial de Levantamento de Peso, em Viena, na Áustria29.
Em 1956, quando o Laboratório Ciba criou a metandros- terona comercializada com o nome de Dianabol, os relatos da eficácia desta droga difundiram-se pela comunidade de
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levantadores de peso. Em 1964, nas Olimpíadas de Tóquio, os EAA foram largamente utilizados em diversas modali- dades16. Durante a competição “Mister America”, em 1972, John Grimek estimou que 99% dos atletas estreantes fize- ram ou faziam uso de esteróides30.
Há mais de 30 anos os EAA penetraram em outros espor- tes olímpicos, incluindo a natação, o esqui, o vôlei, o ci- clismo, o handebol, o futebol, entre outros4. O controle de dopagem para detecção de E A A foram feitos somente na Olimpíada de Montreal, em 1976. O caso mais conhecido de uso de E A A foi o do corredor canadense Ben Johnson, medalha de ouro nos 100m rasos nas Olimpíadas de Seul, em 1988, cujo exame detectou a presença dos metabólitos do anabolizante estanozolol31.
Durante as Olimpíadas de Sidney, em 2000, a nandrolo- na foi o EAA que ganhou destaque após a revelação do exa- me de diversos atletas importantes de modalidades espor- tivas que geralmente não empregavam anabolizantes. Dentre eles, o de Linford Christie (medalha de ouro olím- pica em Barcelona em 1992) revelou a presença desse es- teróide. Este fato gerou grande discussão em relação aos níveis aceitáveis de seu metabólito, a 19-norandrosterona (2ng/mL para homens e 5ng/mL para mulheres não-grávi- das), já que traços de nandrolona têm sido encontrados em suplementos nutricionais consumidos por atletas32.
Segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), doping é definido como o uso de qualquer substância endógena ou exógena em quantidades ou vias anormais com a intenção de aumentar o desempenho do atleta em uma competição33. Juntamente com os 2-β-agonistas, os E A A pertencem à clas- se dos agentes anabólicos que, somados a estimulantes, narcóticos, diuréticos e hormônios peptídicos, glicoprotéi- cos e análogos, compõem as substâncias proibidas no es- porte, segundo o COI16,34. Ghaphery15 listou um total de 296 esteróides anabólicos utilizados por atletas e banidos pe- los órgãos norte-americanos National Collegiate Athletic Association (NCAA) e United States Olympic Committee. A lista dos esteróides mais utilizados, segundo o National Institute on Drug Abuse35 está no quadro 2.
Estudos têm descrito que a forma com que os EAA são utilizados por atletas obedecem, basicamente, a três meto- dologias: a primeira, conhecida como “ciclo”, refere-se a qualquer período de utilização de tempos em tempos, que varia de quatro a 18 semanas; a segunda, denominada “pi- râmide”, começa com pequenas doses, aumentando-se pro- gressivamente até o ápice e, após atingir esta dosagem má- xima, existe a redução regressiva até o final do período; e a terceira, conhecida como “stacking” (uso alternado de es- teróides de acordo com a toxicidade), refere-se à utiliza- ção de vários esteróides ao mesmo tempo35-37. Há também entre os atletas o hábito comum de utilizar a mistura dos
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QUADRO 2
Lista dos EAA mais consumidos segundo o NIDA (2001)

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Esteróides orais
Anadrol (oximetolona) Oxandrin (oxandrolona) Dianabol (metandrostenolona) Winstrol (estanozolol)
Esteróides injetáveis
Deca-Durabolin (decanoato de nandrolona) Durabolin (fenilpropionato de nandrolona) Depo-testosterone (cipionato de testosterona) Equipoise (undecilenato de boldenona)
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três métodos descritos acima. Os E A A são administrados,
geralmente, em doses suprafisiológicas que poderão che-
gar a até 500mg por dia consumidas por varias semanas ou meses9,10,38,39.
Acredita-se que os EAA melhoram o desempenho atléti- co por aumentarem a massa muscular (através do aumento da síntese protéica muscular, da promoção da retenção de nitrogênio, da inibição do catabolismo protéico e da esti- mulação da eritropoiese), bem como por promoverem a agressividade e a motivação13,40,41. Estudos recentes têm demonstrado que os androgênios podem aumentar a sínte- se protéica, através da estimulação intramuscular da ex- pressão do gene para o IGF-I (insulin-like growth factor- I)42. Além disso, Gonzáles et al.43, em 2000, demonstraram que o decanoato de nandrolona promove o aumento da ex- pressão da proteína do choque térmico hsp72 em fibras musculares de contração rápida, o que contribuiria para o aumento da tolerância do músculo esquelético ao treina- mento de alta intensidade. Essa proteína é usualmente sin- tetizada em resposta ao estresse, inclusive naquele causa- do pelo exercício físico. Segundo Kadi44, o uso de EAA causa hipertrofia das fibras tipo IIa, aumento mionuclear e for- mação de novas fibras, nos músculos trapézio e vasto late- ral, além de aumento na expressão de receptores androgê- nicos no músculo trapézio. A concentração dos receptores androgênicos varia de um grupo muscular para outro; em humanos, os músculos da parte superior do braço, peito e costas são mais responsivos aos EAA do que outros múscu- los. Diversos trabalhos sugerem que a testosterona age di- retamente na expressão do gene da proteína contrátil em animais, uma vez que esta causa aumento na largura das fibras musculares devido a elevação no número de miofi- lamentos e miofibrilas, além de induzir mudanças na es- trutura das isoformas da miosina de cadeia pesada39.
A posição do American College of Sports Medicine45 em relação a esse tema é a seguinte: os EAA, diante de dieta adequada e de bom programa de treinamento, podem con- tribuir para aumentos no peso corporal, na maioria das ve- zes, no compartimento da massa magra. Segundo o infor- me do Council on Scientific Affairs37 (Estados Unidos), de
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1988, os esteróides anabolizantes podem aumentar o peso corporal, em parte devido à retenção de fluidos e em parte pelo aumento da massa livre de gordura.
Os estudos clínicos no que se refere ao aumento da for- ça e da massa muscular são inconclusivos, muitas vezes por apresentar problemas metodológicos, como o efeito pla- cebo41. Hervey et al.46, em 1976, demonstraram que atletas que receberam 100mg de metandienona/dia, durante seis semanas, apresentaram aumento de peso na massa magra corporal e aumento do tamanho muscular. A força e o de- sempenho melhoraram a cada período de treinamento, mas não foi diferente do grupo placebo. As alterações no peso e na composição corporal podem ter sido causadas por au- mento intracelular de fluido. Bhasin et al.47, em seu estudo utilizando 600mg testosterona/semana, durante 10 sema- nas, verificaram o aumento da força e hipertrofia muscular em homens saudáveis. Seus resultados demonstraram que a testosterona, principalmente quando combinada com trei- namento de força, aumentava a massa livre de gordura, a massa muscular e a força desses indivíduos.
Corrigan11, em seu estudo sobre o uso de DHEA em atle- tas australianos, verificou que estes utilizam DHEA como agente anabólico para elevar os níveis de testosterona e androstenediol. Entretanto, sua eficácia como agente ana- bólico e produtor de energia permanece sem comprova- ção11,14. Assim como a DHEA, a androstenediona tem sido utilizada com o intuito de elevar os níveis de testostero- na48. Todavia, King et al.49, em 1999, demonstraram que a suplementação de androstenediona não elevou as concen- trações plasmáticas de testosterona nem promoveu adapta- ções do músculo esquelético no treinamento de resistên- cia.
De acordo com o American College of Sports Medici- ne45, o aumento da força muscular obtido através da com- binação de exercícios de alta intensidade com dieta apro- priada pode ser maximizado utilizando os E A A , em alguns indivíduos e, ainda, os esteróides anabólicos androgênicos não aumentam a potência aeróbica nem a capacidade de realizar exercícios musculares.
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EFEITOS COLATERAIS E O ABUSO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES POR ATLETAS
Os efeitos dos E A A sobre o comportamento dos usuários têm sido há muito tempo pesquisados. Estudos relaciona- ram o mau uso dessas drogas a mudanças súbitas de tem- peramento e a síndromes comportamentais dentro e fora dos esportes. Middleman et al.50, em 1995, apontam os EAA como importantes agentes causadores da síndrome com- portamental de risco nos adolescentes. Encontrou-se tam- bém, em outro estudo, o uso de EAA ligado a atos agressi- vos (brigas, agressões) e a crimes contra a propriedade7,30. Dentre os efeitos negativos do abuso de EAA estão irritabi- lidade, raiva e hostilidade7,51, e sintomas cognitivos como distração, esquecimento e confusão7,37. Corrigan52 divide os efeitos psicológicos em três grupos, arbitrariamente, representando os efeitos continuados provocados por es- sas drogas:
1) Nos efeitos imediatos são vistas a mudança de humor e a euforia: existe melhora da confiança, energia e auto- estima, com aumento da motivação e do entusiasmo. Há diminuição da fadiga, insônia e habilidade para treinar com dor, irritação, raiva, agitação.
2) Os E A A , depois de administrados em altas doses por longo período, promovem a perda da inibição, com altera- ções de humor.
3) Os efeitos graves manifestam-se quando esses senti- mentos de agressividade evoluem para comportamentos violentos, hostis e anti-sociais. Os ataques de fúria vão des- de o abuso infantil até os suicídios e assassinatos.
Corrigan52 relatou, além de casos de suicídio, outras al- terações psiquiátricas associadas ao uso de E A A em atle- tas. Dentre elas podemos citar casos de esquizofrenia agu- da vinculados ao uso do esteróide metandienona; a mania, hipomania e a confusão mental, além de paranóia e de- pressão, em razão do uso de oxandrolona e oximetolona.
Diversos estudos têm demonstrado que os EAA causam dependência em usuários atletas competitivos e recreacio- nais, provocando, assim, a síndrome de abstinência ligada às síndromes comportamentais53,54. Achados preliminares sugeriram que a administração de metandiona pode ser a causadora dos efeitos comportamentais provocados pelo uso de EAA e que a causa disso seria a alteração da função serotoninérgica55.
Porcerelli e Sandler56 vincularam o uso de EAA ao narci- sismo patológico em culturistas e levantadores de peso.
Um estudo realizado em adolescentes mostrou que 27% dos consumidores de EAA os utilizavam única e exclusiva- mente para a melhoria da aparência38.
A administração de E A A em mulheres atletas resulta em alterações masculinizantes, semelhantes àquelas observa-
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das na puberdade masculina. Esses efeitos virilizantes in- desejados incluem amenorréia, aparecimento de acne, pele oleosa, crescimento de pêlos na face, modificação na voz. Posteriormente, ocorrem desenvolvimento da musculatura e do padrão de calvície masculino, além de hipertrofia do clitóris e voz grave. Com a administração contínua e pro- longada, muitos desses efeitos são irreversíveis9,10,16,36,37.
Quando utilizados na puberdade, causam o fechamento das epífises ósseas, acarretando déficit final do crescimen- to em conseqüência do amadurecimento ósseo precoce16,34, podendo também ocasionar profunda virilização em indi- víduos saudáveis16.
Nos Estados Unidos, 50% dos usuários utilizam EAA por via intramuscular, sendo que 20% destes compartilham seringas, havendo grande risco de contraírem alguma doen- ça infecto-contagiosa. Rich et al.57 relataram em seu estu- do a incidência de infecções decorrentes da administração de E A A por via intramuscular em atletas de culturismo e levantamento de peso. Foram encontrados três casos de infecção por HIV (heterossexuais que compartilharam se- ringas em várias ocasiões), um por hepatite B (conjunta- mente com um dos casos de HIV), um por hepatite C, oito relatos de formação de abscessos (dois casos ocorreram depois do uso de um preparo de estanozolol veterinário contaminado, e os demais casos devido à falta de assepsia e pela procedência incerta das drogas), e outro de infecção por Candida albicans (por imunossupressão secundária pelo uso de anabolizantes por dois anos).
Um estudo de caso desenvolvido por Yoshida et al.31 re- latou o aparecimento de colestase grave e de falência renal aguda após o uso de 125mg de estanozolol, duas vezes por semana, durante um mês, em um atleta levantador de peso previamente saudável. Os exames mostraram forte aumen- to na bilirrubina e discreto na fosfatase alcalina. Achados da biópsia renal revelaram necrose tubular aguda e altera- ções glomerulares. A colestase está quase sempre associa- da ao uso de esteróides C-17-alquilados, mas o mecanis- mo de indução ainda é incerto.
Schumacher et al.58 relataram o aparecimento de hema- toma hepático subcapsular e subseqüente hemorragia in- tra-abdominal em um atleta de culturismo pelo abuso de nandrolona e mesterolona. Além disso, o uso de testoste- rona pode causar icterícia e adenocarcinoma de fígado9,10,16.
Trabalhos na literatura têm relacionado o abuso de EAA por atletas jovens, do sexo masculino, com diversos even- tos cardiovasculares adversos, como predisposição ao me- canismo de hipercoagulabilidade, ao aumento da agrega- ção plaquetária e à diminuição da fibrinólise59; alargamento da parede ventricular esquerda; aumento da espessura do septo interventricular e do índice da massa do ventrículo esquerdo, porém com preservação das funções sistólicas e
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diastólicas normais60; trombose ventricular e embolismo sistêmico61; cardiomiopatia dilatada, infarto agudo do mio- cárdio por oclusão da artéria descendente anterior e morte súbita por hipertrofia ventricular esquerda3.
Em um estudo de caso, Lear e English62 atribuíram a exacerbação de psoríase ao uso prolongado da oxandrolo- na, por um atleta culturista, com história de sete anos de acometimento intermitente desta doença.
PROBLEMÁTICA EPIDEMIOLÓGICA DO USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES POR ATLETAS
Existe, em todo o mundo, atualmente, uma preocupação sociogovernamental envolvendo o abuso de EAA, dentro e fora do cenário esportivo. Vários estudos realizaram levan- tamentos epidemiológicos referentes a essa problemática, podendo assim verificar dados concretos acerca do tema. Estimou-se, por exemplo, que nos EUA, em 1993, mais de um milhão de pessoas foram ou teriam sido usuários de EAA30-56. Kanayama et al.63, em 2001, demonstram que, atualmente, podem existir mais de 1,5 milhões de usuários de hormônios adrenais freqüentadores das academias nos Estados Unidos.
Achados analíticos no controle de dopagem em culturis- tas, nos anos de 1988 a 1993, demonstraram que, mesmo com o controle entre estes atletas, o abuso dos EAA era visível entre 38-58%, sendo que as drogas mais populares, de 1988 a 1989, foram a nandrolona e a testosterona. Em 1990, a lista de anabolizantes tornou-se mais ampla, in- cluindo a metenolona e a drostanolona64.
Em 1991, um estudo aleatório feito em estudantes ado- lescentes praticantes de treinamento de força, em 50 Esta- dos norte-americanos, demonstrou que a freqüência do uso de EAA associava-se ao de cocaína e de outras drogas ilíci- tas, mostrando maior prevalência nos homens do que nas mulheres65. Com base nas estimativas de 1995 do Youth Risk and Behavior Surveillance System dos Estados Uni- dos, aproximadamente 375.000 adolescentes do sexo mas- culino e 175.000 do sexo feminino, de escolas norte-ame- ricanas públicas e privadas, usaram EAA ao menos uma vez em sua vida66. Em um estudo realizado em quatro escolas públicas de Massachusetts67, em 1998, foi constatado o uso de EAA por crianças com idade entre nove e 13 anos, 2,6% de um total de 466 meninos e 2,8% de um total de 499 meninas. Kindlundh et al.68, em 1999, através de um le- vantamento sociodemográfico em estudantes adolescentes de Uppsala, na Suécia, observaram que o uso de EAA esta- va relacionado ao consumo de drogas psicotrópicas, taba- co e álcool, objetivando a melhora da aparência e do de- sempenho atlético. Na Noruega foi conduzido um estudo
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de prevalência de EAA entre os adolescentes, cujos acha- dos foram semelhantes aos de outras partes do mundo, pois associava o uso de EAA ao de outras drogas ilícitas, para o treinamento de força; a maior prevalência era entre o pú- blico masculino69.
Green et al.70, em 2001, em um estudo realizado com 13.914 estudantes atletas da National Collegiate Athletic Association (NCAA), na Austrália, demonstraram que ha- via consumo em 1,1% de EAA por esses indivíduos; em 3,8% dos casos os EAA foram fornecidos pelo treinador, em 20,8% dos casos por um companheiro de equipe, em 17% dos casos foram obtidos através de um amigo ou pa- rente, em 9,4% dos casos foram fornecidos pelo empresá- rio, em 38% dos casos essas substâncias foram obtidas atra- vés da prescrição médica, sem a indicação legítima, e em 11,3% dos casos os EAA foram obtidos de outras fontes.
No Brasil, Conceição et al.71, em 1999, realizaram estu- do sobre o uso de E A A por praticantes de musculação das academias de Porto Alegre, demonstrando que 24,3% dos indivíduos usavam EAA; em 34% dos casos as drogas eram utilizadas por vontade própria, em 34%, por indicação de outros atletas, em 19%, por indicação dos amigos, em 9%, por indicação de professores e, em 4% dos casos, sob pres- crição médica. Os anabolizantes mais utilizados foram a nandrolona (37%), o estanozolol (21%) e a testosterona cristalizada (18%). Demonstrou-se, também, que 80% dos usuários de E A A utilizam mais de um anabolizante e 35% experimentaram dependência física e psicológica; as prin- cipais motivações ao consumo dessas substâncias foram a aquisição de força (42,2%), aquisição de beleza (27,3%) e a melhora no desempenho (18,2%). Da Silva e Czepie- lewski72, em 2001, demonstram no seu estudo piloto que entre 36 atletas competitivos e recreacionais, das oito aca- demias de musculação de Porto Alegre participantes, 95% dos seus entrevistados estavam usando ou já haviam utili- zado EAA pelo menos uma vez na vida.
CONCLUSÃO
Os EAA são drogas de uso exclusivo na medicina para o tratamento de diferentes tipos de patologias, causando melhoria das condições da saúde do paciente, quando ad- ministrados corretamente.
As publicações referentes ao uso de EAA nos esportes causam resultados, na maioria das vezes, benéficos do de- sempenho, como a hipertrofia muscular e o aumento da força física. Mas alguns estudos demonstram que tais resul- tados podem estar relacionados simplesmente à retenção de fluidos corporais, efeitos comportamentais e placebo.
Os efeitos colaterais tornam-se evidentes quando os atle- tas fazem o mau uso dos EAA (abuso), ou seja, utilizam
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estas drogas em concentrações acima da recomendável te- rapeuticamente, provocando muitas vezes danos irreversí- veis à saúde física e mental.
Há vários anos, os E A A , juntamente com os narcóticos, são utilizados indiscriminadamente por atletas, pratican- tes de atividade física e, inclusive, por adolescentes e crian- ças para prática esportiva recreativa. Isso ocorre devido ao comércio livre (mercado negro, farmácias de manipulação, farmácias veterinárias), e à obtenção sem prescrição médi- ca ou com prescrição médica indevida. Essas substâncias são de procedência duvidosa, em sua maioria manipuladas sem cuidados adequados de higiene, proporcionando mui- tas vezes doenças infecto-contagiosas. A comunidade cien- tífica vem alertando a sociedade quanto ao uso indiscrimi- nado e aos efeitos nocivos do mau uso dessas substâncias. Frente a essa problemática, autoridades governamentais de diversos países posicionaram-se a respeito deste assunto, criando políticas de combate ao abuso de EAA dentro e fora do esporte.
No Brasil, os EAA foram considerados agentes dopan- tes, segundo os critérios da Portaria 531, de 10 de julho de 1985, do MEC. Porém, nos Estados Unidos, em 1985, o FDA (Food and Drugs Administration), juntamente com o Departamento de Justiça e a Agência Federal de Investiga- ção norte-americanos, começaram suas investigações cri- minais acerca do mercado negro desses medicamentos (Council on Scientific Affairs, 1988). No Brasil, essa preo- cupação foi externada pelo Conselho Federal de Entorpe- centes (Confen), em 1995, pedindo providências à Secre- taria de Vigilância Sanitária, pois os EAA chegavam de várias partes do mundo com muita facilidade e sem qual- quer tipo de fiscalização73.
Conforme a Portaria 344, de 12 de maio de 1998, o con- trole e a fiscalização da produção, comércio, manipulação e uso dessas substâncias serão executados em conjunto com as autoridades sanitárias do Ministérios da Saúde, da Fa- zenda, da Justiça e seus congêneres nos Estados, municí- pios e Distrito Federal. Segundo a Lei 9.965, de 27 de abril de 2000, a dispensação e venda de medicamentos do gru- po de esteróides e peptídeos anabolizantes de uso humano estarão restritas à apresentação e retenção, pela farmácia ou drogaria, da cópia carbonada da receita emitida pelo profissional da saúde devidamente registrado em seu Con- selho73,74.
Entretanto, podem-se constatar falhas nesse mecanismo de fiscalização, uma vez que os EAA podem ser adquiridos facilmente no comércio e em academias de ginástica. Dada a falta de informação sobre os efeitos nocivos do uso de EAA, bem como a facilidade de sua obtenção por freqüen- tadores de academias, observa-se consumo abusivo dessas substâncias. No Brasil, não há publicações substanciais que
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abordem a temática do abuso dos EAA dentro e fora dos esportes. Campanhas publicitárias e educacionais que aler- tem sobre esse problema fazem-se necessárias, pois a in- tervenção educacional tem demonstrado ser um instrumento efetivo no combate ao uso dessas substâncias por adoles- centes6,75.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Profa Dra Cyntia Alencar Fin (FFFCMPA) pela co-orientação e revisão deste trabalho e à acadêmica de Letras (UFRGS) Márcia Patrícia Alencar Fin pela correção do texto e tra- dução da sinopse para o inglês.
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